Estereótipos


Quando uma criança inserida num grupo de arte apresenta resultados continuamente estereotipados, é importante que os profissionais estejam conscientes de que para ela é antes de tudo extremamente empobrecedor e sofrido manter-se nesta posição tão distante de si mesma.

Profissionais precisam lembrar que produtos estereotipados não estão isolados de um comportamento também estereotipado. Comumente, crianças que fazem uso do estereótipo como recurso para um suposto fazer artístico, apresentam dificuldades para estabelecer um diálogo com elas mesmas (que pode ser observado a partir da qualidade e da pouca intensidade de suas escolhas e opiniões) e consequentemente também com o outro, dificultando assim o saudável processo de socialização que todo indivíduo necessita e tem direito.

A distância do “eu”, que o estereótipo provoca, certamente protege porque não expõe o verdadeiro indivíduo, mas também o distancia de aquisições genuínas e da possibilidade de um desenvolvimento sadio, ou seja: a repetição do conhecido (ação estereotipada), produz uma forte restrição no processo de desenvolvimento. Nesses casos, percebe-se que, para defender-se do erro e do fracasso, o indivíduo passa a não ousar, criando assim um comportamento que não permite que ele viva e realize conquistas. Frente a esses sintomas, que tornam essas crianças cada vez mais desinteressadas pelas experiências artísticas, pode-se priorizar outros caminhos criativos, como os de transformação de gestos, sons e objetos do cotidiano, ao invés de pinturas, colagens, desenhos e esculturas que deixam registros permanentes (criam produtos) e por isso, podem comprometer suas defesas. Esses caminhos sugeridos podem ser mais fáceis de serem experimentados e assim facilitar a dissociação da criança do estereótipo.

Certa vez uma professora de um dos núcleos do projeto “Eu sou” trouxe para a supervisão a seguinte situação:
Um menino de sua turma vinha apresentando um comportamento agressivo especialmente com ela e com a professora assistente. Ao aprofundarmos um pouco mais a observação sobre ele e considerando outros aspectos do seu comportamento, podia-se perceber que ele não era nada agressivo com colegas ou displicente com o material, espaço ou ele próprio.

Na observação de seu processo bem como de seus produtos, era notável o desenvolvimento técnico de seu desenho, considerando seus 10 anos de idade. Demonstrava ser um bom observador de imagens, refletindo essa capacidade através dos recursos de perspectiva que utilizava. No entanto apesar da técnica sedutora aos olhos de qualquer um, seus trabalhos escondiam um processo estereotipado e por tanto sem qualquer subjetivação. A arte para esse aluno, não passava pelo recurso criativo da transformação. Na verdade ele não fazia arte, apenas reproduzia o que seus olhos detalhistas viam, sem passar pelos olhos de sua alma.

As professoras apesar de atenciosas e se mostrarem naturalmente interessadas pelo seu desenvolvimento, quando ao final da aula pediam ajuda a todos na organização do atelier, recebiam dele quase sempre frases do tipo:
– Não quero te ajudar!
– Não vou limpar nada! Faça você!
– Não sou seu escravo!
– Você não faz nada por mim!

Revendo a entrevista que foi feita com a mãe desse menino, antes do início das aulas, como fazemos todos os anos com todos que ingressam no projeto, percebemos que poderia existir algum tipo de dificuldade entre ele e a sua mãe, principalmente devido ao diálogo difícil, resistente e defensivo dela, durante toda a entrevista. Provavelmente, se a arte estivesse cumprindo o papel de linguagem na vida desse menino, suas professoras não estariam sendo usadas como suporte para as projeções emocionais dele, ao contrário, ele estaria transferindo suas questões para o processo e o objeto artístico. A pouca ou nenhuma subjetivação transferida para as suas produções, somada à impossibilidade de acesso à mãe, fez das professoras o objeto substituto mais direto de sua necessidade de expressão desses sentimentos.

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