No trânsito do consumo, ao menos uma brecha de vazio

Nesse mundo de coisas prontas, de tecnologias que se superam a cada dia, é inevitável o sentir-se ultrapassado. Ultrapassado pelo conhecimento, pela saúde, pelo sexo, pelo afeto, pelos desejos…

Não faz muito tempo, a TV veiculava uma campanha para inclusão social promovida pelo governo e tinha o deficiente auditivo como foco. A propaganda terminava com a frase:
Aprenda a linguagem dos sinais!

Afundado numa poltrona em frente à TV depois de mais um dia me deslocando de um lado para o outro da cidade e com a minha cabeça repleta de outdoors , senhas, panfletos, exigências, alarmes e pedidos, gritei alto e sozinho:
Chega! Não me obrigue a aprender mais nada!

Se pensarmos em tudo que nos invade, determinando nossas condutas e anseios, é quase impossível não se viver pelo menos ansioso, angustiado. São muitas as exigências que atropelam nossas vidas provocando uma inevitável sensação de incompetência ou de dever mal cumprido.

É melhor desligar a TV e permitir o vazio entrar.
Assim fiz.

O turbilhão de imagens e apelos foi cedendo até eu começar a aproveitar a experiência do mínimo dentro de mim.

Ao retomar o pensamento depois dessa faxina, me veio na cabeça a trajetória que cumpri até hoje como arte-educador e lembrei que alguns pais dos meus alunos de hoje, também foram meus alunos quando eram crianças. Essa rica experiência de ter podido trabalhar com gerações tão distintas me mostra notáveis diferenças no comportamento desses dois grupos de crianças: os hoje pais e seus filhos.

Venho percebendo que a já tão conhecida insatisfação adolescente, dava seus sinais de existência por volta dos dez anos e por isso recebia o nome de pré-adolescência, hoje, já há sinais dela em crianças a partir dos cinco e sem respeitar classe social.

Crianças economicamente privilegiadas parecem tão insatisfeitas com seu poder de consumo, quanto também estão as crianças pobres, por não terem qualquer poder de compra. Há uma globalização do desejo, fortemente conduzida pelos meios de comunicação, especialmente pela TV, fazendo com que o tênis de uma marca X possa se tornar alvo de conquista de A a Z.

A arte, essa fiel companheira do vazio, linguagem que se alimenta do mínimo mas que pode pretender o máximo, permite o reencontro com a reflexão. Promove o pensar e agir de forma própria sobre as mais variadas questões da vida. Um contato que além de fortalecer o indivíduo como pessoa com suas características e desejos próprios, estabelece uma saudável relação com a falta.

Que se abram vazios!
Que se abram espaços para a arte!

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