Em que sala eu dou aula?

 

Em tempos políticos como os atuais, que nos dividem em duas tribos, a triste e irreparável perda que sofremos com o incêndio do Museu Nacional parece ter nos unido momentaneamente num vocabulário e numa opinião comum: negligência, descaso, desrespeito. A negligência com os espaços públicos, o descaso com a nossa educação e com a nossa cultura. Desrespeito com a nossa história, com nossos valores.

Seguimos perdendo os nossos registros, e a queima é o símbolo maior disso tudo. Aí fico aqui pensando, se não seria também essa tragédia a culminância do que já vem sendo disseminado dentro do nosso processo educacional. Falo da desvalia dos significados e a consequente soberania da coisa, do concreto.

Não nos damos conta, mas essa perda vem ocorrendo faz tempo. Como arte-educador assisto com muita preocupação à demolição de valores essenciais como são os da arte e da cultura, justamente esses produtos do humano que são tão responsáveis pelo fortalecimento das opiniões, da identidade e pela saúde das relações.

É claro, muitos são os sinais desse processo desumanizador e de restrição intelectual que cresce com a distância cada vez maior das experiências subjetivas e assim fazem de nós sujeitos menos pensantes e menos afetivos.

Um bom exemplo desse processo empobrecedor pode vir até de um pensamento mais concreto mesmo, mas nem por isso menos simbólico. São os espaços físicos reservados para as aulas de arte nas escolas, que apesar dos discursos feitos por muitos educadores sobre a sua importância, poucas são as instituições que reservam um espaço de qualidade para a arte e consequentemente de respeito pelo professor e pela expressão de seus alunos. Das escolas que ainda têm esses espaços, várias compartilham a sala com depósitos já instituídos ou depósitos provisórios, quando ali são colocados materiais ainda sem destino. Inúmeras foram as vezes ao longo da minha carreira como arte-educador que cheguei para dar aula e precisei remover algumas caixas com coisas da última festinha, uma cadeira de escritório quebrada ou mesmo ter que conviver com uma geladeira enguiçada. Muito triste, mas esse é, simbolicamente, o espaço conceitual e a relevância da arte nos nossos dias. Todas as equipes de arte-educadores das quais faço parte têm histórias incríveis para contar.

É fundamental pensarmos a arte como importante fomento do humano, da identidade, da reflexão, da autoestima, das relações sociais; mas também é igualmente importante não esquecermos de algo que a arte é grande colaboradora e para muitos a principal função da escola: a aprendizagem.

Não há aprendizagem sem o fortalecimento da subjetividade, porque é com ela que se cria um campo fértil para se plantar o conhecimento. Sem ela o ser humano apenas memoriza informações.

A arte nos salva.

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